Após nove meses do acidente, Bruna Moura já calça o rollerski e participa de treinos nos Países Baixos (Arquivo Pessoal) |
O pé esquerdo ainda dói, os movimentos são bem mais lentos e é preciso calçar um tênis com número maior para não incomodar. Entretanto, isso não é desconforto para a esquiadora Bruna Moura. Pelo contrário, é justamente assim, passo a passo, que ela se recupera do grave acidente de carro sofrido em 27 de janeiro de 2022 e já planeja a participação nos Jogos Olímpicos de 2026.
Passados nove meses do acidente, a atleta de esqui cross-country do Brasil já mostra uma evolução fantástica. Ela teve duas fraturas no pé, uma no braço e outra no ombro (tudo do lado esquerdo) e três costelas quebradas. Segue fazendo fisioterapia, mas mesmo assim já coloca o rollerski no pé e participa de pequenos treinos.
Estou conseguindo treinar desde julho, mas não todos os dias. Ainda sinto bastante dor no pé, mas já consigo fazer um trote leve e curto, além de bike e rollerski. Já estou feliz pra caramba! Considerando a forma como o meu pé estava, fiquei feliz. As cicatrizes me dão uma história para contar. Me lembra onde quero chegar - e eu quero ir para as Olimpíadas
É um desejo que Bruna Moura persegue desde a adolescência. Do início no mountain bike até a migração para o esqui cross-country, ela buscava a vaga olímpica. Na neve, especificamente, foram oito anos tentando até conseguir o que parecia improvável: duas vagas femininas para o Brasil na modalidade, permitindo que ela e Jaqueline Mourão pudessem competir juntas nos Jogos de Pequim, em 2022.
Campeã absoluta do Circuito Brasileiro de Rollerski entre 2014 e 2021, Bruna se posicionou como a segunda atleta do país no esqui cross-country. A confirmação da vaga olímpica veio com a convocação no dia 17 de janeiro de 2022. Dez dias depois e recuperada de covid-19, ela sofreu o acidente quando se deslocava da Itália para Alemanha, de onde partiria para a China.
O acidente
Bruna Moura sofreu o acidente quando se deslocava para a Alemanha. Na ocasião, ela estava na Áustria após um período de treinos e faria os testes PCR para confirmar o exame negativo de covid-19 antes de embarcar para a China. Ela sofreu o acidente perto de Obervintl, no norte da Itália. Foi levada para o Hospital de Bolzano, onde teve os primeiros socorros. O condutor do veículo morreu no local do acidente.
Por ter testado positivo para covid nos dias anteriores, resolvi sentar atrás na van. O Pascal [seu namorado] até pagou a mais para ter essa possibilidade de ir no banco de trás. Quando eu cheguei, ia sentar na frente para fazer companhia ao taxista porque seria quatro horas de viagem, mas aí lembrei disso. Eu comecei a conversar com ele porque também gosto de dirigir, mas o motorista claramente estava entediado. Eu lembro que comecei a adormecer, mas o veículo estava muito rápido também. Teve uma hora que ele passou um carro que eu senti a tração da van e vi que estava sem cinto. Naquela hora eu coloquei o cinto de segurança. Nesse tempo eu lembro que meu sogro me mandou uma mensagem, mas eu estava cansada, com pouco de ânsia e deixei o celular de lado. Depois disso já não sei mais e acordei apenas depois do acidente
Surpresa com a investigação
Até então, Bruna Moura acreditava que o acidente foi causado por uma tentativa de ultrapassagem da van na rodovia simples. Entretanto, investigações posteriores mostraram que, na verdade, a primeira batida ocorreu na parte direita da pista e só depois o carro se chocou contra o caminhão que estava no lado esquerdo.
Eu pedi para um advogado acompanhar o processo e ele mandou o laudo para gente. Fiquei bastante surpresa. Logo no início me disseram que foi tentativa de ultrapassagem ou que o motorista dormiu no volante. Contudo, o relato policial mostra que a van virou para a direita, bateu no guard rail que tinha na pista e com essa pancada foi para esquerda. O motorista do caminhão não conseguiu frear e a van ainda rodopiou na pista, voltando a bater no guard rail e com outro carro batendo no meu lado. Mas eu não lembro de nada disso. O que lembro é que ele estava muito rápido. Fiz uns cálculos e estávamos na região do acidente uns 20 minutos do que deveríamos estar
Processo contra seguro do veículo
A relação de Bruna Moura com a companhia de táxi ainda não acabou. A brasileira está em um processo contra a seguradora do veículo para ser ressarcida pelo acidente, principalmente pela perda de todos os seus equipamentos. Os nove pares de esquis foram perdidos, além de acessórios como botas e roupas.
Eu perdi todos os meus equipamentos e quero conseguir alguma coisa de volta. Sem falar que uma pessoa morreu ali! Mesmo que apontem que a culpa foi dele, até hoje penso no motorista. Lembro dele parado no hotel e via os olhos dele no retrovisor quando conversávamos. Mas não recebi nenhuma mensagem da companhia de táxi, nem a coisa mais básica de saber como estava. Isso não é legal. Não foram atrás da responsabilidade deles. Não estou querendo ficar rica, eu só quero meus equipamentos de volta. O carro tinha seguro! A única notícia que recebemos é que deveríamos apresentar recibo de todos os esquis. Mas é difícil, né! Pesado para mim pensar que estava a dois metros de distância do motorista e acontecer o que aconteceu
Sequelas psicológicas do acidente
Bruna Moura também lida com sequelas psicológicas. A atleta do Brasil está iniciando um tratamento psicológico nos Países Baixos, onde mora com a família do namorado, para auxiliar na cura. A profissional, que também trabalha com o Comitê Olímpico do país europeu, é especializada em reviver traumas para identificar as reais causas do estresse e, assim, realizar a recuperação adequada.
Tenho reações com o acidente. Pode ser que eu tenha visto o que aconteceu e só não lembro. Antes, eu entrava em qualquer carro e dormia com facilidade, mas desde o acidente eu fico sempre em estado de alerta. Quando vim para o Brasil agora [em outubro de 2022, de férias] foi a primeira vez que voltei a dirigir e fiquei em um estado de medo grande, sabia que qualquer erro poderia causar o mesmo acidente. A fisioterapeuta acredita que isso afeta o processo de recuperação física. Mas o que mais pega é a incerteza de ter visto ou não o que aconteceu. Quando estou em um carro eu fico olhando em volta para ver o que está acontecendo a todo instante
Recuperação com o namorado nos Países Baixos
Dias após o acidente e a hospitalização em Bolzano, na Itália, Bruna Moura foi transferida para os Países Baixos, onde ela mora com o namorado, Pascal Luiten, e seus sogros. Lá ela contou com apoio da estrutura do Comitê Olímpico neerlandês, que possibilitou as sessões de fisioterapia desde então. A brasileira também começou a trabalhar e iniciou os treinos com rollerski para voltar o quanto antes ao esqui cross-country.
Eu comecei a trabalhar em uma bike shop aqui. Eu monto bicicletas e, agora, comecei a me envolver com o sistema de registro de produtos para melhorar o idioma. Os donos são incríveis. Eles querem que eu volte a competir e, por isso, faço uma jornada de 20 horas e o que eu trabalhar além disso fica de hora extra para ser descontado nos dias em que estiver treinando ou competindo. Hoje, faço fisioterapia apenas uma vez, mas não tem muito o que progredir. Esperávamos que a remoção do metal dos pinos melhorasse, mas as limitações de dores ainda estão aqui. Também faço os exercícios em casa para ajudar, mas por enquanto sem previsão de alta
Cerimônia de Abertura de Pequim foi 'soco na cara'
O acidente fez Bruna Moura ser cortada da delegação que participou dos Jogos Olímpicos de Pequim, em fevereiro de 2022 - em seu lugar, o COB e a CBDN convocaram a jovem Eduarda Ribera, 17 anos, e terceira na lista nacional. Mas enquanto se recuperava com a família do namorado nos Países Baixos, a brasileira acompanhou a disputa e manteve contato com as integrantes da equipe nacional.
Me ligavam várias vezes, era bacana conversar com elas. Me fez sentir parte daquele momento. Por outro lado, assistir em uma cama de hospital improvisada na sala da casa porque não conseguia subir ao quarto, doía porque eu assistia sabendo que era para estar lá. Estava grata por ter sobrevivido, mas ficou essa sensação estranha. O momento mais difícil foi a Cerimônia de Abertura. Foi ali que senti que acabou. Eu lembro de acompanhar e pensar 'não vou chorar, não vou chorar'. Visualizei tudo o que passei, o teste negativo de covid na véspera da viagem. Treinei oito anos para isso, passei por muita coisa. Mas olhando aquilo me fez chorar. Foi um soco na cara
Bruna Moura quer voltar à neve já nesta temporada
Diante da rápida evolução, Bruna Moura não quer perder tempo. Espera retornar às competições já na próxima temporada. Aliás, no primeiro trimestre de 2023 já espera participar de training camps de esqui cross-country na neve. O objetivo, claro, é se posicionar novamente na caminhada olímpica para os Jogos de 2026, em Milão e Cortina d'Ampezzo, na Itália.
Pretendo, sim, competir na neve no ano que vem. Pelo menos em alguns training camps na Alemanha, que é mais perto da minha casa, e ficar alguns fins de semana por lá já a partir de janeiro de 2023. Quero ver como vou me adaptar à neve. Hoje estou usando uma bota com um número maior porque o pé ainda está sensível. Também quero estar presente no Circuito Brasileiro de Rollerski do ano que vem. Só não quero vir se for algum problema de logística. Mas no ano que vem quero retomar a rotina de treinos
Motivação extra para tentar vaga em 2026
O fato de ter conseguido a classificação para 2022 faz com que Bruna Moura não desista do sonho olímpico. Mesmo perdendo a primeira temporada do ciclo olímpico, a brasileira quer retomar a melhor forma justamente no período pré-olímpico, a partir de julho de 2024. A partir daí, a meta é novamente tentar duas vagas femininas para o Brasil no esqui cross-country.
Agora estou com uma motivação muito grande. Lutei oito anos para isso, mas não deu certo. Mas eu fiquei feliz de ter classificado e me mostra que posso conseguir de novo. Nesses três anos que têm pela frente, preciso me manter firme. Na temporada que vem retorno à rotina de competições para nas duas últimas temporadas do ciclo olímpico ir com força total. É uma reconstrução, vou começar do zero novamente. Mas meus sogros já avisaram que para 2026 eles querem ir de van até a Itália para torcerem por mim nos Jogos Olímpicos!
Postar um comentário