Salve Jorge!

Jorge e a bandeira brasileira: finalmente juntos (Divulgação)

Jorge Alves de Lima conquistou uma medalha de prata hoje. Mas não é uma medalha qualquer. Ela simboliza mais do que uma conquista internacional, mais do que a prata no programa artístico do Mundial de Patinação no Gelo Adulto (não confundir com Sênior). Não, nada disso. Ela representa o retorno de um desses talentos que o Brasil teima em não enxergar.

Ao marcar 13.63 e ficar atrás apenas do americano Ross Luxton no mundial organizado pela ISU, o paulistano de nascimento e brasiliense de coração conquista a primeira medalha de sua carreira competindo sob a bandeira brasileira. É a coroação de uma geração que sofreu com fechamento de pistas no início da década de 90 e que poderiam ter colocado o Brasil no mapa da patinação no gelo bem antes de Stephanie, Alessia, Stacy, Simone, Elena, Isadora, Kevin e Luiz. 

"Minhas expectativas para esse Mundial são a de me apresentar bem, fazer um programa limpo e mostrar que o Brasil tem patinador de qualidade. Meu principal objetivo era vencer o campeonato e me tornar o primeiro brasileiro a conquistar um título internacional em patinação artística sobre o gelo. Mas o Luiz Manella me passou nessa", brincou Jorge em entrevista exclusiva ao Brasil Zero Grau e se referindo ao ouro do patinador brasileiro no Liberty Summer no ano passado. 

Assim, fica a certeza de que pode ter mais por aí. Ele ainda participará do programa livre (freeskating) pela categoria Ouro III + IV (que dividem a faixa etária dos competidores), no dia 30, e é um dos favoritos. Cena improvável cinco anos atrás, a bandeira brasileira segue sendo bem representada pelos seus atletas. 

Era dourada

Para entender a importância dessa medalha para ele e para o Brasil é preciso voltar lá atrás e ver a trajetória do atleta e funcionário público Jorge Luiz Rodrigues Alves de Lima. Nascido em São Paulo, mudou-se para Brasília quando tinha oito anos de idade. E foi lá, na capital federal, que descobriu a patinação artística no gelo. 

Logo após completar 19 anos, resolveu aprender a modalidade na pista de gelo do Parkshopping com o professor Eduardo Garcia. Isso em 1983, muito antes do Brasil sequer pensar em mandar atletas para os Jogos Olímpicos de Inverno.

Três anos depois começou a competir, mesmo que ainda não tivesse atingido a maturidade nos saltos. O primeiro evento foi a Copa Joal, em São Paulo, e Jorge esteve na categoria B.Meses depois participou do Campeonato Aberto no Rio de Janeiro, com patinadores de Brasília, São Paulo e do estado fluminense. No mesmo ano competiu pela primeira vez no Brasileiro e no ano segundo foi o campeão nacional na sua categoria. 

Eram épocas boas para a patinação no gelo. Haviam pistas em shoppings que, mesmo não possuindo as medidas oficiais, garantiam seriedade à disputa, tinham competidores e até mesmo uma Associação Nacional para regulamentar as disputas. Nesse época de ouro, Jorge foi bicampeão brasileiro, em 1988 e 1990. 

Porém, a partir de 1990, a crise econômica chegou ao esporte. As três pistas existentes foram fechadas em um curto período de tempo. A de Brasília foi parar em Uberlândia, mas resistiu poucos meses e fechou oficialmente em 1991. A última edição do Brasileiro, no segundo semestre de 1990, foi realizado em maio de 91 com uma grande ajuda do evento Holiday on Ice, que estava se exibindo no Ibirapuera e gentilmente cedeu e apoiou a disputa. Este evento marcou o fim do esporte no Brasil. 

"Todos nós tínhamos vontade de competir no exterior, mas o Brasil não era filiado à ISU por não ter uma pista nas medidas oficiais, pré-requisito para pleitear a vaga. Em 1991 fizemos o Brasileiro no Ibirapuera com muita dificuldade e em 1992 a Associação não organizou mais torneios e o esporte acabou mesmo. Portanto, tornar-se um atleta internacional era um sonho, mas não mais uma possibilidade", afirmou Jorge. 


Nos Estados Unidos

Quando percebeu que a "patinação no gelo do Brasil estava para acabar", Jorge embarcou, literalmente, para os EUA com o objetivo de treinar. Associou-se ao Lincoln Center Figure Skating Club em Columbus, Indiana, e também à USFSA em 1990, pois como membro poderia ter aulas e fazer os testes de nível - premissa para quem quer competir em torneios norte-americanos. 

Nesta época já encaminhava para os trinta anos, mas seguia com o fôlego e a inspiração de um garoto. Adivinha o que aconteceu? Ganhou o campeonato estadual de Indiana em 1993, com 29 anos! 

Diante desse feito, resolveu se aposentar dos treinos. Dois anos depois, fez uma turnê de três meses com o Holiday on Ice e resolveu se aposentar de vez da patinação. "Eu me senti realizado: bicampeão nacional, campeão no exterior e membro do Holiday on Ice", confirmou.

Seguiu viajando nas férias para os EUA, onde patinava apenas por lazer e reencontrava amigos do clube. Patinação no gelo era um mero hobby. Até que em 1995 a ISU resolveu regulamentar a competição adulta na modalidade (equivalente ao master no futebol). Foi quando a antiga paixão reacendeu novamente. [Atualizando: erro de dez anos. Foi em 2005 que a ISU resolveu regulamentar a competição adulta]


De volta às competições. Com qual bandeira?

Vice Mundial (Reprodução)
Isso foi em 2005. No ano seguinte, o Brasil voltava a viver um pouco da febre da patinação no gelo com o quadra "Dança no Gelo", do Domingão do Faustão (Rede Globo). A modalidade adulta existia desde os anos 1980, mas apenas nos países norte-americanos. 

"Pela primeira vez a ISU estava sancionando essa modalidade em nível internacional. Foi quando me interessei em reassumir a condição de atleta, pois ao ler o regulamento percebi que eu tinha condições de disputar novamente e, mais surpreendentemente ainda, o Brasil já tinha conseguido filiação como membro da entidade", afirmou Jorge. 

Eram outros tempos. Mesmo sem competições oficiais por aqui, o país ganhou sua confederação de gelo com os esforços de Eric Maleson no Bobsled. O Brasil entrou como membro ouvinte, sem direito a voto, para garantir a presença internacional de uma geração que surgia no cenário internacional. Era a chance do antigo sonho se tornar realidade. 

Tentou conversar com o então presidente da CBDG, mas não passou de uma rápida conversa em Brasília. Mesmo assim, embarcou para os EUA e retomou a rotina de treinos para disputar o Mundial. Quando chegou em Oberstdorf, na Alemanha, recebeu a ducha de água fria: foi informado de que o Brasil não havia enviado um atleta

Entretanto, com a filiação em dia pela entidade norte-americana e já presente no ginásio alemão, o Comitê Organizador permitiu que eu competisse pelos EUA. Assim foi feito e Jorge, brasileiro nato, sagrou-se campeão mundial pelo país onde treinava. "Recebi os parabéns da USFSA e adquiri o direito de representá-los por mais 10 anos", afirmou. 

Seguiu competindo pelo país, mas até 2008 esperava competir pelo Brasil. Até que em 2009 tentou novamente conversar com a CBDG no Mundial da modalidade em Los Angeles, novamente sem sucesso. "Fiquei arrasado! Em 2009 eu nem competi", lamenta. Mas no fim do ano voltou e decidiu que se o próprio país não o valorizava, competiria por ele mesmo, mesmo que fosse pelos EUA. 

Assim, sagrou-se pentacampeão mundial na categoria Gold II enquanto os esportes de gelo do Brasil tentavam evitar uma crise administrativa e financeira.

Rotina

Como no Brasil não há mais pistas de gelo, ele só coloca os patins nas suas férias anuais. Fica entre Columbus, nos EUA, onde treina com Elizabeth Fernandes, uma escocesa que conheceu no Brasil, e Oberstdorf, onde se realiza o Mundial Adulto. São seis semanas divididas entre os dois países.

No restante do ano faz academia e musculação em Brasília, onde vive. São duas horas de condicionamento físico por dia e folga apenas no domingo. Tentou se adaptar aos patins de rodas, mas não conseguiu. "Já tentei. Tenho um patins inline que uso para andar no parque da cidade nos domingos, mas é só lazer, pois em nada ajuda com relação a melhorar meu desempenho no gelo".

Também descarta treinar em pistas de gelo em shopping centers que pipocaram no Brasil nos últimos anos.  "As que tem em São Paulo e Rio de Janeiro são de tamanho pequeno e a qualidade do gelo é muito baixa. Além de que o horário de funcionamento das pistas é sempre com sessões públicas, com muitas pessoas usando a pista ao mesmo tempo. Não se pode fazer saltos nem spins, muito menos treinar coreografias".


Retorno

Vibrando com mais uma conquista (Reprodução)
Em um período de dois anos, muita coisa aconteceu nos bastidores da CBDG. Processos, afastamento judicial, intervenção, eleição, novo presidente e briga olímpica de algumas modalidades. Com a troca de comando, Jorge se viu tentado a competir pelo Brasil no cenário internacional. 

Acompanhou de perto o brilhantismo de Luiz Manella e Isadora Williams no já histórico Troféu Nebelhorn, na Alemanha. Quando retornou ao Brasil, foi convidado para ser juiz do Rio Open, organizado por Márcio Pereira, atual diretor de patinação da CBDG. Era o momento ideal para reatar esse desejo antigo. 

"Expliquei-lhe toda a situação e afirmei que poderia competir pelo Brasil, desde que me filiasse à CBDG". Filiou-se à Associação de Patinação no Gelo do Estado do Rio de Janeiro e, dessa forma, conseguiu finalmente chegar até a confederação brasileira e se inscrever pelo seu país de origem. 

Se ele conquistar a medalha de ouro, podemos dizer que seria o final feliz ideal para um verdadeiro conto de fadas como esse. Não fosse por um detalhe. Esta é apenas o começo de uma longa jornada de Jorge, Brasil e a Patinação no Gelo. 

"Competir pelo Brasil é, para mim, a realização de um sonho antigo. Não porque alguém tenha investido em mim, mas porque eu sou brasileiro, e um brasileiro que aprendeu a patinar no gelo, e que se esforçou o bastante para competir com outros patinadores de outros países. Competir pelo Brasil significa, para mim, que eu superei um obstáculo a mais que os outros atletas, que moram em países onde existem pistas de gelo adequadas à prática do esporte", conclui.

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